sexta-feira, 21 de maio de 2010

CASAMENTO

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“O CASAMENTO NÃO É MAIS QUE UM”

Entrevista com José Pedro Manglano
Por Miriam Díez i Bosch
ROMA, DOMINGO, 9 de maio de 2010 (ZENIT.org).- Existe um só matrimônio: não há um casamento civil e outro religioso, declara nessa entrevista concedida a ZENIT um escritor sacerdote, autor de "O livro do matrimônio" (Planeta, 2010), no qual repassa esta instituição e oferece chaves para compreender o que ele chama de "misteriosa união".
Professor de Antropologia no Centro Universitário Vilanova (Universidade Complutense de Madri) e capelão, José Pedro Manglano (www.manglano.org) é doutor em filosofia e combina seu trabalho sacerdotal com cursos, palestras e com a direção do Planeta Testimonio.
Manglano é membro do Conselho Assessor do Observatório para a Liberdade Religiosa e de Consciências (www.libertadreligiosa.es).
-Quantos casamentos existem?
Manglano: Não existe mais que um casamento.
Não podemos esquecer que só se casa quem se casa. Ninguém casa! Quando fazem o ato livre de entrega total ao seu ser masculino e feminino, geram uma relação particular que chamamos "matrimônio". Consiste em uma união orgânica, de modo que dois formam "uma só carne". Isso - insisto - só pode fazer quem se casa. Só eles fundam ou criam um novo matrimônio.
Portanto, não há um matrimônio civil e outro religioso. Não. Isso são instâncias que reconhecem ou não o matrimônio, o único matrimônio. O Estado diz: "Se querem que eu os reconheça como matrimônio, se querem que minha legislação sobre o matrimônio se aplique, Eu - Estado - exijo seu consentimento diante de um funcionário, com tantas testemunhas, para preencher esse formulário...e o que for", a fim de estabelecer pela autoridade civil. Falamos então de um casal que realizou um casamento civil.
Também a Igreja, para reconhecer aos cristãos seu matrimônio, pode exigir algumas formalidades a fim de começá-lo. Então falamos de casamento religioso, mas é o único matrimônio.
-A aliança, o arroz, dotes... Conte-me: de onde surge tudo isso?
Manglano: Tudo isso? Impossível. Cada uma dessas tradições se formam em um lugar e momento determinado, se configura pouco a pouco, têm raízes também em outros lugares...
Trata-se de expressões de linguagem simbólicas. Isto é, nas realidades abstratas ou espirituais - como pode ser o desejo de prosperidade, o desejo de descendência, a pertença de um ao outro...- se pode expressar e manifestar de maneira física, corporal e material. Os homens necessitam fazê-lo. Estes símbolos e rituais são profundamente humanos. Convém conhecer seu sentido e realizá-los com autenticidade. Do contrário, se convertem em formalismos ou em elementos ornamentais, que terminam por afogar com liturgias cheias de vazio.
-O matrimônio é um sacramento de dois, enquanto os outros sacramentos são "individuais". Por que é assim?
Manglano. Efetivamente, são dois que "sofrem" a ação do Espírito de Deus, ação que faz de ambos uma só carne. Poderíamos falar que a ação transformadora que opera esses sacramentos é a de realizar uma unidade, uma comunhão total de vida e amor.
A partir de seu ato livre por decidirem se unir, o Espírito constitui uma comunhão que a liberdade de ambos deverá realizar progressivamente em suas vidas.
É um sacramento de dois no sentido de que antes são dois e é um sacramento de um no sentido que depois são um.
-O matrimônio... se descobre ou se cria?
Manglano: Parece-me que essa é a questão moderna mais interessante. Em um século XX marcado pela filosofia da suspeita - suspeita antes de tudo que parece imposta ao homem -, decidimos reinventar o matrimônio. Levamos cinquenta anos experimentando, afirmando: ‘o matrimônio significa que os casais se amam, e ninguém tem que dizer como viver, nem ditar regras que rompam a espontaneidade livre da relação".
A revista Time publicou recentemente que a última pesquisa do Pew Reserarch Center concluía que os jovens do milênio - quem tem 18 anos - resultam em algo convencional: 52% deles marcam como primeiro objetivo ser um pai exemplar e ter um matrimônio estável e fiel. É visível que os inventos têm gerado mais dor que felicidade. Poderíamos dizer que o matrimonio institucional - por contrapor ao matrimônio a la carte, fabricada pelo casal - segue sendo o ideal.
Parece-me interessante estudar essa questão em diálogo com as letras das canções de Joaquín Sabina. Ele afirma que acreditava se tratar de estrelas e resultaram ser tubos de néon; isso é, que não se trata de um mistério mas algo de fabricação cultural. Contudo, estou convencido que o matrimônio, longe de inventá-lo, nos inventa. O matrimônio tem seu DNA particular, não estipulado por nada além da verdade do amor conjugal.
-Historicamente havia casamentos entre recém nascidos... Melhoramos, não?
Manglano: Melhoramos muito, e também pioramos muito. O matrimônio, em si mesmo, é um modo de vida que faz bem e trás felicidade ao homem. O matrimônio resulta intensamente em um atrativo tal, mas está sempre ameaçado pela maldade do homem. O homem geralmente ataca - sem má intenção, mas ataca - a verdade do matrimônio para manipulá-lo segundo seu interesse.
No século VIII o resultado dessa manipulação foi este: quando os missionários cristãos levavam o Evangelho aos povos bárbaros, na Bulgária e em outros povos germânicos encontraram a tradição de casar as crianças apenas recém nascidas. Era uma forma de alcançar as alianças familiares e seus benefícios econômicos ou políticos, adiantando o tempo. O protagonismo do casamento, então, não tinha o amor. Isso só chegou em torno do século XI, precisamente quando a teologia cristã estuda a Trindade e redescobre que Deus é um movimento eterno de amor; portanto, o amor é importante, e nos matrimônios deverá ser respeitado seu papel, seu insubstituível protagonismo.
Sim, nessa percepção melhoramos. Mas ao mesmo tempo perdemos outras percepções, como o valor libertador da instituição, ou a necessidade da paciência e o "domínio de si" para realizar com fidelidade e em plenitude o projeto criado, ou o poder destrutivo da anticoncepção...
-O senhor afirma que sem vínculos não há liberdade. É uma provocação?
Manglano: Eu gosto. Enquanto não se provoca a razão, o racionalismo nos limita de tal forma que o conhecimento nos afasta da beleza da vida real. Sim, não podemos reduzir os mistérios da existência do homem a fórmulas matemáticas e silogismos a todos os níveis. A verdade dos mistérios humanos, como é o fato de sua liberdade, são sempre paradoxais para a razão.
Por esse motivo abordo a questão, de acordo com o método do caso no diálogo com Antoine de Saint-Exupery e sua mulher Consuelo. São duas pessoas ‘libertinas' que esperam que a felicidade lhes proporcione independência e autonomia. Saint-Exupery, como o Pequeno Príncipe criado por ele, viaja por distintos planetas da vida; conhece outras tanta rosas iguais a sua... Consuelo, também de abordagem libertina, sofre pelas ausências de seu marido e as relações que mantém com seus amantes.
Saint-Exupery, no final, descobre uma grande verdade: sua rosa é única, nenhuma tem valor, mas sim aquela a quem foi entregue; só quem está cativado encontra sentido para a sua existência; é então quando a raposa lhe ensina que domesticar é estabelecer laços, criar vínculos. Muitos não sabem que o Pequeno Príncipe é uma carta de amor de Antoine a sua mulher, movida por um profundo arrependimento.
É assim: se queremos independência, o matrimônio é um mal caminho. Se pretendemos ser felizes, este vínculo com nós mesmos, nos permite sermos livres realizando o projeto concreto que somos. Sendo mais intensamente esposo, sou mais livre, sendo mais inteira e elegantemente esposa, sou mais livre. A vida diz que é assim, e a razão diz que é o mais sensato... Assim são os mistérios humanos.

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