I Domingo do Advento – Ano A
Leituras: Is. 2,1-5; Rm 13, 11-14; Mt 24, 37 – 44Visualizar blog
“Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor!” (Is 2,5).
“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo!” (Rm 13 14). 
“Ficai atentos! Porque não sabeis em que dia virá o Senhor” (Mt 24,42)
 
Três  gritos de amor e de admoestação saídos do coração do Senhor e ecoados  com paixão pela Igreja nossa Mãe. Estas admoestações são para chamar  nossa atenção, muitas vezes tomada pela aparente normalidade dos  acontecimentos, tal como ocorreu aos concidadãos de Noé; elas se colocam  para despertar as consciências atordoadas e adormecidas pelas coisas  passageiras e superficiais, para nos estimular a nos renovarmos  radicalmente, assumindo sempre mais a maneira de sentir, julgar e atuar  do próprio Jesus na sua relação filial com o Pai e para conosco. Revestir-se de Cristo,  segundo a eficaz expressão do Apóstolo, indica o processo da nossa  progressiva identificação interior com Ele. Este processo, iniciado no  batismo, quando nos foi entregue o símbolo da veste branca, vai se  desenvolvendo até culminar na entrada, com o próprio Cristo, na festa do  reino de Deus (Ap 7,9).
Os últimos domingos do ano litúrgico –  que acabou de chegar à sua conclusão com a grande celebração do Senhor  Jesus, Rei e juiz do universo – alimentaram a nossa esperança mostrando  que para o Senhor está orientada não somente a grande história da  família humana e da criação, mas também o caminho pessoal cotidiano de  cada um, vivenciado na fé como seu discípulo e discípula.
A  palavra deste primeiro domingo nos diz que o nosso “hoje” é também o  “hoje” de Deus, aberto por ele em vista do futuro de novas  possibilidades de vida e de relações: “Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemos nos guiar pela luz do Senhor”.  Nele também o mundo do homem e da mulher de hoje se torna a casa onde  pessoas, povos, raças e religiões diferentes podem encontrar novamente o  lugar da recíproca reconciliação e acolhida. Nele nossa vida de cada  dia se torna a porta na qual ele fica batendo, para ser reconhecido,  acolhido e assim partilhar com ele a mesa da amizade e da intimidade (Ap  3,20). Casa do homem e de Deus. É preciso estar atentos! Qualquer  situação e momento pode ser a ocasião certa e a situação oportuna para  receber sua visita, ouvir sua palavra, gozar da sua presença íntima e  transformadora.
“Agora a salvação está mais perto de nós do que quando abraçamos a fé”.  O caminho da fé é um processo dinâmico, sempre mais abrangente e capaz  de unificar nossa existência pela forca interior do mesmo Espírito do  Senhor. É uma verdadeira passagem das trevas do pecado e da preguiça  espiritual para a luz e a fecundidade de uma vida nova. “A noite já vai adiantada, o dia vem chegando: despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz”.
O  ano litúrgico, com sua constante referência à páscoa do Senhor, e  através da linguagem própria de cada uma das suas etapas, alimenta a  vida espiritual da Igreja e de cada cristão. É a partir desta intrínseca  relação com o Cristo morto e ressuscitado através do ano litúrgico que  devem encontrar a própria orientação e o próprio sentido toda iniciativa  pastoral e toda forma de piedade comunitária e pessoal, como ensina o  Concílio Vaticano II (SC 12,13,105) e como destaca o Papa Bento XVI na  Exortação Apostólica recém publicada Verbum Domini - A Palavra do Senhor (n.52).
O  Advento marca o início do novo Ano litúrgico. Mas este inicia a partir  das alturas onde chegou o fim do precedente: o cumprimento de toda  história da salvação e a glória do Senhor. Com o primeiro domingo,  iniciamos um novo caminho de louvor e de agradecimento ao Pai, por Jesus  Cristo morto e ressuscitado, fonte inesgotável de vida nova no Espírito  Santo. Um caminho de profunda renovação, quase de novo nascimento pela  força do Espírito, até chegar à maturidade da vida espiritual de homens e  mulheres tornados adultos em Cristo.
Este dom do amor gratuito e  salvador de Deus, que costumamos chamar com a venerável tradição cristã  de “Mistério Pascal”, constitui o centro irradiante da história da  salvação e por isso também do ano litúrgico, continuando a alimentar de  domingo a domingo a vida da Igreja e a marcar o caminho de constante  renovação de cada fiel. Assim a liturgia, através da íntima união entre a  Palavra e a Eucaristia, como afirma a constituição Sacrosanctum Concilium,  do Concílio Vaticano II, “é a primeira e necessária fonte da qual os  fiéis atingem o espírito verdadeiramente cristão” (SC 14). É o dom que a  Igreja pede ao Pai na oração depois da comunhão deste primeiro domingo  de Advento: “A participação nos vossos mistérios nos ajude a amar desde  agora o que é do céu e, caminhando entre as coisas que passam, abraçar  as que não passam”. É o que destaca também o Papa na sua exortação  apostólica: “A Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada Escritura,  como esta, por sua vez, ilumina e explica o Mistério eucarístico” (Verbum Domini. 55).
Talvez  alguém, ao ouvir a palavra “Advento”, pense imediatamente no curto  espaço de tempo que nos prepara ao Natal de Jesus. Idéia talvez  reforçada pela vista dos arranjos natalinos que já enfeitam as lojas e  as ruas das cidades ou os primeiros presépios que iniciam a ser montados  com carinho nas famílias. Mas o Advento na linguagem litúrgica e na  experiência da Igreja é bem mais rico de sentido espiritual e  existencial. A palavra Advento provém do latim adventus, que significava a “vinda” e a visita”  de uma autoridade, como o rei ou o imperador, a uma cidade a quem  “manifestava” assim sua atenção e sua benevolência para com o povo.
Transferida pela comunidade cristã do âmbito social ao religioso próprio, a palavra Advento veio a indicar antes de tudo a vinda gloriosa do Senhor no fim dos tempos, vinda que esperamos com fé, como Salvador. Em segundo lugar indica a vinda/revelação  do Senhor na humildade da encarnação através da qual ele manifesta o  amor do Pai, e esta por sua vez se torna fundamento inabalável da sua presença fiel e carinhosa  na nossa vida de cada dia até o fim dos tempos, como Jesus prometeu aos  discípulos. A liturgia da Palavra dos dois primeiros domingos do  Advento destaca a promessa da vinda gloriosa do Senhor e a esperança  ativa com que a Igreja espera essa vinda; enquanto o terceiro e o quarto  domingo nos preparam para celebrar no Natal, com alegria e  agradecimento, o evento central e fundador da nossa fé: “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). “Que alegria, quando me disseram: vamos à casa do Senhor!” (Sal. Resp.)
A  abertura para com as visitas e surpresas de Deus, o desejo apaixonado  da sua amizade e intimidade, o sentido da necessidade que o Senhor entre  na nossa vida e a dirija, são as atitudes fundamentais a serem  cultivadas neste tempo de Advento. São as condições para acolher o  Senhor que vem, celebrar dignamente a memória da sua encarnação,  reconhecê-lo nas suas visitas misteriosas nos acontecimentos da vida e  caminhar com renovada esperança ao encontro da sua vinda gloriosa. 
Seremos  guiados pelos profetas que anunciaram a vinda do Messias do Senhor e  sustentaram a fé de Israel, e de maneira especial acompanhados pelo  profeta Isaías, cujos textos são lidos com abundância nas liturgias  eucarísticas e na Liturgia das Horas deste tempo. Solicitados pela  palavra forte de João Batista, estaremos na doce companhia de Maria, que  guarda com fé no seu coração toda Palavra de Deus e acontecimento (cf  Lc 2,19). Chegaremos então, através de sua graça, a gerar também em nós o  Verbo de Deus: “Isabel diz a Maria: Feliz és tu que acreditaste.  Felizes sois também vós, que ouvistes e acreditastes, pois toda alma  que possui a fé concebe e dá à luz a Palavra de Deus e conhece suas  obras” (Santo Ambrósio).
É fácil constatar que estas atitudes  interiores – e modalidades de ser e de atuar – que constituem o cerne da  espiritualidade do Advento, formam verdadeiramente o âmago de toda  espiritualidade cristã e a energia profunda do Espírito que anima a  missão e o testemunho da Igreja e de cada cristão e cristã no mundo rumo  ao cumprimento do reino de Deus. O Advento nos ajuda a redescobrir  estas atitudes e a guardá-las. O Advento não é somente um tempo do ano  litúrgico: é uma dimensão constitutiva da identidade cristã.
Dom Emanuele Bargellini
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