terça-feira, 24 de agosto de 2010

SALESIANIDADE

O HUMANISMO SALESIANO

Pe. Antenor de Andrade.

A Carta da Missão no Capítulo II aborda o tema do humanismo salesiano. Desejamos neste trabalho desenvolver sinteticamente o assunto com o objetivo de apresentar mais um subsídio para leitura e reflexão dos formadores e demais membros da FS.

1. Significado de humanismo.
2. O humanismo salesiano. (Carta da Missão, n.9).
• Educar evangelizando e evangelizar educando;
• S. Francisco de Sales e o humanismo;
• Humanismo de S. F. de Sales e humanismo de D. Bosco.
3. O lugar da mulher no humanismo salesiano.
• Complementaridade e reciprocidade.

1. Significado de humanismo
O Humanismo tem várias denominações de acordo as determinadas posturas éticas de cada uma. Entre outros, citamos-se o humanismo religioso, o renascentista, o positivismo contiano (Augusto Conte), o secular, o logosófico ( em sua reflexão parte do ser pensante, sensível, enquanto que os demais baseiam-se em um conceito generalizado). No geral suas idéias são pouco católicas. Caracteriza-se em seus diversos sentidos por uma postura contrária ao apelo sobrenatural, a alguém superior ao homem que lhe venha ditar normas de vida. Os Iluministas do século XVIII deram-lhe uma conotação anti-clerical, até porque em seu modo de pensar inclui religiões ateístas.
O dicionário Webster define o Humanismo como «um moderno movimento racionalista ateísta, que sustenta que as pessoas são capazes de auto-iluminação, de uma conduta ética, sem nenhum recurso sobrenatural». O Aurélio vê o Humanismo como uma «Doutrina ou atitude que se situa expressamente numa perspectiva antropocêntrica, em domínios e níveis diversos, assumindo, com maior ou menos radicalismo, as conseqüências daí decorrentes».
2. O humanismo salesiano
* Educar evangelizando e evangelizar educando.
A missão apostólica do Salesiano/a tem duas grandes linhas que seguem paralelas baseadas:
a) Formar o bom cristão e o honesto cidadão.
b) Educar evangelizando e evangelizar educando.
Estas diretrizes, como sabemos, estão ancoradas no tripé: Razão, Religião e Amabilidade. Hoje a Família Salesiana continua vivendo em um mundo carente de educação e evangelização, de um diálogo existencial cada vez mais sufocado pelo transitório e atrativos mundanos, resultado da falta de fé e de amor. O apóstolo salesiano deve ser em toda parte, um portador de amor, já que o mundo carente continua sequiosamente mendigando migalhas de luzes e de amor no balcão da história. Na mística bosquiana ambos os termos evangelizar e educar se amalgamam num mesmo conteúdo semântico. Estes objetivos evangelização e educação, só conseguiremos com um humanismo que se baseie nas três características de nossa atuação apostólica (Razão, Religião, Amorevolezza).
Os documentos oficiais salesianos começaram a usar a palavra humanismo após o Vat. II (1962-1965). Paulo VI discursando no Ateneu Pontifício Salesiano de Roma, um ano depois do Conclave, observava que D. Bosco «soube oferecer-nos um incomparável exemplo de humanismo pedagógico e cristão».
Nosso santo Fundador usava frequentemente a palavra humanismo para definir o objetivo de sua missão na Igreja e na sociedade. Segundo sua perspectiva devemos acolher tudo que tenha referência ao integralmente humano. Quando nos dedicamos à formação de um bom cristão e um honesto cidadão, nada mais estamos fazendo do que reconhecermos e valorizarmos a pessoa humana. A Gaudium et Spes (contempla a Igreja no mundo contemporâneo), no Capítulo sobre a dignidade da pessoa humana nos lembra que «Tudo que existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não crentes».
O homem a criatura mais perfeita do Universo criado por Deus à sua imagem e semelhança é centro e ápice do Cosmo. O educador salesiano integrante dos diversos grupos da família salesiana deve ter presente esta realidade extraordinária: imagem e semelhança de Deus. O numero 09 da Carta da Missão lembra ainda outras realidades quotidianas que o humanismo salesiano deve ter presentes e devem ser defendidas (trabalho, cultura, amizade, compromisso civil, honestidade moral...).
Um pensamento lembrado constantemente no coração e na mente do apóstolo bosquiano é de que Deus nos colocou no mundo não para nós, mas para ou outros. A FS em articular foi colocada no mundo para os jovens. O novo humanismo nascido da sensibilidade e do grande coração de D. Bosco é bem recebido pela juventude, até porque é uma novidade para suas vidas. O fundador do Oratório de Valdocco não quis ser um padre carrancudo que não saudasse nem se aproximasse dos jovens. Nosso CG XXIII (1990) diz que
« a consciência juvenil recebe, de forma espontânea, o “novo humanismo” e os seus valores: o sentido da liberdade, a absoluta dignidade da pessoa, o sentido do próprio projeto de vida, a necessidade de autenticidade e de autonomia. Estas são instâncias que se abrem ao Evangelho».
O CG entendia com esta declaração que o Humanismo não deve enclausurar a pessoa humana em si mesma, mas que a assume como fim, juntamente com seu desenvolvimento. Assim entendido o humanismo salesiano torna-se bem distante do antigo humanismo, paganizado que pontificou durante o Renascimento, nos séculos XV e XVI, eivados da cultura importada de Grécia e Roma.
* São Francisco de Sales e o humanismo.
Este santo, admirado, venerado e imitado por D. Bosco, vivenciou o que hoje se costuma chamar de humanismo devoto, expressão criada em 1916 por Henri Bremond. Um humanismo que estará sempre ao lado de nossa natureza, acreditando na bondade e capacidade de conversão da pessoa humana. O apostolado do santo da Sabóia foi calcado nestas premissas. Por isso foi tão querido e realizou tantas conversões no meio dos protestantes do Chablai.
«O humanismo cristão (diríamos o humanismo salesiano) variante do humanismo devoto prefere insistir sobre a Redenção que elevou a natureza, antes que sobre o pecado original que a viciou».
A criatura humana, embora vulnerada e intimamente, com tendências a se rebelar contra seu Criador, não obstante é acolhida e exaltada por S. Francisco de Sales. Ele acredita na pessoa pois ela conservou felizmente a “santa inclinação de amar a Deus sobre todas as coisas”.
* Humanismo de S. Francisco de Sales e humanismo de D. Bosco
O humanismo salesiano não pode abandonar a caridade, a amorevolezza. O mundo salesiano passou no final do século passado a falar destes dois humanismos, o de F. de Sales e o de D. Bosco. Pe. Joseph Aubry escrevia em um de seus trabalhos sobre a ação da F. Salesiana:
«Antes de ser ação o apostolado é relação pessoal animada pela caridade e qualquer atividade que não esteja impregnada pelo amor no final fracassará. Esta convicção levou tanto S. Francisco de Sales como D. Bosco a uma série de comportamentos tipicamente “salesianos”. Antes de tudo é o que chamamos o seu humanismo e o seu otimismo, a sua confiança radical na pessoa e nas suas capacidades naturais e sobrenaturais. Um e outro, finos conhecedores do ser humano exaltaram os valores e as virtudes, “humanas”, deram um espaço a amizade, a alegria, à cultura, ao esforço para o progresso. Acreditaram profundamente na utilidade e no valor da ação. Convencidos de que toda pessoa é educável apelaram sobretudo às suas forças interiores, à sua inteligência, à sua liberdade, ao seu coração, à sua fé [...] na paciência que sabe atender, esperar e recomeçar».
A Carta de Comunhão nos lembra ao falar sobre o humanismo de F. de Sales que
«como Família de D. Bosco nos inserimos na maior corrente salesiana do humanismo, oferecendo à Igreja uma contribuição de originalidade no campo educativo como no trabalho pastoral. Para D. Bosco humanismo salesiano significa valorização de todo o positivo presente e radicado na vida das pessoas, nas coisas, na história. Essa inspiração humanística salesiana leva-o a captar os valores do mundo, especialmente se agradáveis aos jovens; a inserir-se no fluxo da cultura e do desenvolvimento humano do próprio tempo, estimulando o bem e não se contentando com gemer os males; a procurar a cooperação de muitos, convencido de que cada um tem um dom próprio, evidente ou por descobrir; a acreditar na força da educação que anima e sustenta a mudança e o crescimento do jovem para ser honesto cidadão e bom cristão; a confiar-se sem titubeio à providência de Deus, percebido e amado como Pai».

3. O lugar da mulher no humanismo salesiano
• Complementaridade e reciprocidade
Até à década de 1970 era tabu a presença de alunas em nossas escolas. Muitas discussões, temores, adaptações edilícias para enfim, termos em nossas salas de aulas alunos e alunas uns ao lado dos outros. O tempo e as concepções conduziam àquela práxis.
Foram os últimos 25 anos do século XX, sobretudo com a presença do feminismo avançando cada vez mais que conduziram os Salesianos e de modo especial as Salesianas a refletirem sobre a presença e o valor do mundo feminino. O despertar para essa realidade não significou, porém que a mulher antes não fizesse parte do humanismo salesiano, que sempre acolheu e valorizou «todo o positivo presente e radicado na vida das pessoas», como já vimos anteriormente.
O universo feminino, sua valorização e especificidade passou a ser tratado com mais atenção, após o reitorado do Pe. Luiz Ricceri (1965-1977), possivelmente influenciado pelos novos ventos do Vat. II. Derramaut assinala que até ao final do governo de Pe. Ricceri «os índices das Cartas circulares dos superiores maiores salesianos desconheciam a palavra mulher».
O Sínodo romano dos Bispos, de1980, (Pe. Egígio Viganò era o Reitor Mor) sobre a família cristã trouxe para os SDB uma nova concepção a respeito da mulher.
« O problema feminino interessa a toda cultura humana. Nossa civilização científica e técnica é uma civilização unilateral “machista”. A mulher possui uma capacidade particular de humanizar e personalizar os relacionamentos e melhorá-los. Por este motivo ela é portadora de esperança na Igreja e na sociedade».
A liberação e valorização social da mulher não significa sua masculinização, sua colocação ao nível do homem. As propostas do Sínodo episcopal de 1980 estavam bem longe desse entendimento, embora fossem bem concretas. Trata-se antes de tudo do desenvolvimento e maturação de seu ser de mulher, de sua feminilidade.
João Paulo II escreveu uma importante carta ( Mulieres dignitatem - 1988) sobre a dignidade e vocação da mulher. Ali encontramos belas páginas de encorajamento e incentivo sobre este novo sinal dos tempos voltado para a companheira colaboradora do homem. Assim começa o documento:
«A dignidade da mulher e sua e a sua vocação — objeto constante de reflexão humana e cristã — têm assumido, em anos recentes, um relevo todo especial. Isso é demonstrado, entre outras coisas, pelas intervenções do Magistério da Igreja, refletidas nos vários documentos do Concílio Vaticano II, que afirma em sua Mensagem final: “Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas pelo espírito do Evangelho podem ajudar muito para que a humanidade não decaia”. As palavras desta Mensagem retomam o que já fora expresso no Magistério conciliar, especialmente na Constituição pastoral Gaudium et Spes e no Decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem».

O assunto foi retomado diversas vezes pelos Salesianos, direcionado de modo especial à mulher religiosa. Na época da preparação do Sínodo episcopal sobre a Vida Consagrada (1994) o tema foi também abordado de forma relevante.
Uma nova mentalidade foi então se desenvolvendo entre os religiosos bosquianos com um empenho e uma reflexão sempre maior sobre a identidade feminina. Durante a celebração do centenário da morte de Santa Maria Domingas Mazzarello (1981) realizou-se a 8ª Semana de Espiritualidade Salesiana, cujo tema foi: a mulher no carisma salesiano.
As FMA em dois de seus últimos Capítulos Gerais do final do século XX estudaram dos temas relativos ao assunto. Educar as jovens: contribuição da Filhas de Maria Auxiliadora para uma Nova Evangelização nos diversos contextos sócios culturais. O outro: Comunidades de mulheres radicadas em Cristo chamadas a uma missão educativa inter-cultural para o Terceiro Milênio.
As Irmãs também diretamente interessadas no entendimento correto da valorização da mulher têm em sua Faculdade Auxilium, de Roma um instrumento formidável para o desenvolvimento deste objetivo. Neste sentido realizaram dois Congressos, um em 1988, em Frascatti, perto de Roma: A educação da mulher hoje. O segundo na Itália Central, (Collevalenza, Peruggia), onde debateram o tema: Mulher e humanização da cultura às vésperas do III Milênio. O caminho da educação.
Vê-se, por conseguinte que não só os SDB, mas também as FMA estão interessados em uma maior compreensão do valor da mulher no mundo de hoje. Não poderia ser diferente, já que ambas as Congregações se ocupam e trabalham na educação das gerações juvenis masculinas e femininas que irão viver no mundo de amanhã.
• Complementaridade e reciprocidade.
Não se trata de uma posição de complementaridade da mulher em relação ao homem. Inaceitável esta postura. Ambos são seres criados à imagem e semelhança de Deus (Gen. 26 ss), um colaborando recíproca e alegremente com o outro em igualdade de natureza, liberdade e amizade.
«Hoje a ciência nos conscientiza que a humanidade se concretiza não em uma dicotomia irredutível, mas sim na distinção e na integração do masculino e do feminino, sem que uma destas dimensões possa pretender a exclusividade, a hegemonia ou a superioridade. A antropologia, a biologia e a psicologia mostram, no estado atual o tipo de reciprocidade que existe entre o masculino e o feminino. Como um está presente e age no outro, que influxo um exerce sobre o outro e como um não pode ser compreendido sem o outro».
Os textos acima nos mostram como o humanismo salesiano nas últimas décadas ocupou um novo espaço. Caminhou seguindo o tempo e descobriu que entre a nação dos homens e a nação das mulheres não pode haver diferenças, muros, nem fronteiras, mas reciprocidades, colaboração mútua, liberdade construtiva. Não se pode negar também que as novas atitudes da mulher ajudaram os homens a mudaram seus conceitos, sua mentalidade, inclusive os Salesianos. Seus esquemas mentais, em alguns bem fossilizados, foram modificados, aprenderam a ler melhor os sinais dos tempos e da história, a interpretá-la. Passaram a ler com uma nova ótica a vida social, religiosa, econômica, social. O SDB e a FMA foram forçados pelos tempos a se auto criticarem e auto analisarem. E apareceu um novo mundo, uma nova partilha. Não temos ainda um mundo de todo perfeito, porém mais adaptado à evangelização e à educação dos jovens de ambos os sexos. Às mulheres deve-se agradecer em boa parte esta transformação.
A Igreja em sua tarefa missionária e os SDB/FMA não podem esquecer a contribuição feminina que se encontra além de seus Claustros, Mosteiros ou Institutos religiosos. A Instituição fundada por Cristo ao realizar sua missão salvadora
«tem uma enorme necessidade dos carismas tipicamente femininos, onde a natureza e a graça se integram mutuamente. Com efeito, o mistério da aliança (...) tem uma dimensão feminina de escuta, de acolhimento e de atenção interior, que supera a decisão, o empenho e a organização, tarefas nas quais os homens se comprazem e acham natural que sejam reservadas a eles. As mulheres têm um papel único e sem dúvida determinante na evolução do mundo».
As mulheres têm um grande protagonismo neste terceiro Milênio. Elas, deixando de lado modelos «masculinos ou machistas» têm a responsabilidade de promoverem um «novo feminismo». Atuando e mostrando ao mundo seu verdadeiro gênio feminino, suas características naturais de seu ser mulher estão contribuindo para a criação de um novo mundo, onde homem e mulher serão real e objetivamente colaboradores do Criador na obra redentora do universo. Na sociedade civil, no trabalho elas têm inúmeras oportunidades de tentarem superar as discriminações, as violências, as manipulações da mídia, as chacotas ignóbeis e deslavadas que lhes bombardeiam, perseguem e ferem-nas diuturnamente.
Cito o que escreveu João Paulo II sobre o homem e a mulher na Exortação Apostólica Vita Consecrata e sua missão na Igreja e no mundo.
«A Igreja manifesta plenamente a sua multiforme riqueza espiritual, quando, superadas as discriminações, acolhe como uma verdadeira bênção os dons infundidos por Deus tanto nos homens como nas mulheres, valorizando a todos em sua igual dignidade».
Espero que estas reflexões sobre o Humanismo salesiano sirvam para que a FS possa de um modo mais próximo a D. Bosco e a S. Francisco de Sales desenvolver melhor seu protagonismo junto aos jovens seus destinatários.

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